terça-feira, 24 de julho de 2012

“Unbuntu Botho”

Estava um daqueles dias de calor infernal, às 08.15h em Luanda e, como é meu apanágio nos últimos tempos (sim, porque comigo funciona ao contrário, o frio faz saltar da cama, o calor agarra…), estava já no limite da hora própria para mais um dia de trabalho.

Entro na viatura (vulgar carro em Angola), portas fechadas, chave na ignição e… nada. Mais uma tentativa e… absolutamente nada. Saio da viatura, abro o "capom" (também só ouvi aqui esta designação para a espécie de tampa que cobre o motor) como se alguma vez entendesse alguma coisa daquele conjunto de recipientes redondos interligados por uma série de tubos e fios, olhei atentamente sem saber muito bem para quê.

Um dos “miúdos” já meu conhecido perguntou prontamente: “Então madrinha, aconteceu quê?”, ao que eu respondi que deve ter sido a bateria e que o carro, pura e simplesmente, morreu.
Com o seu ar espantando, exclama: “Tché madrinha, mataste só o carro… num si faz!!”. Não resisti à gargalhada fácil e calmante no turbilhão perturbador do tempo a passar, sem que o problema fosse resolvido. A ajuda especializada, que disse que estava mesmo a chegar, tardava...

Eis que B. aproxima-se e pergunta se pode tentar resolver. Anui mas adverti que podia sujar-se e estragar a roupa, uma vez que estava impecavelmente bem vestido. Não se importou. Tentou de tudo, até colher gotas de água de um ar condicionado em algo que um dia tinha sido uma garrafa.

Ainda assim, quis gratificar B. pelo empenho em ajudar a resolver o problema da morte prematura da viatura e, para meu espanto, recusou e disse-me “hoje por si, amanhã por mim”. Ainda insisti, mas não aceitou. Nesse dia aprendi uma lição, quando achava que conhecia bem o meio cultural onde me insiro e que sabia perfeitamente corresponder à expectativa. 

Ainda hoje quando vejo B., lembro-me que seres humanos genuinamente bons há em qualquer parte do mundo, e ainda bem.

Os africanos acreditam no “Unbuntu Botho” (eu sou porque tu existes). Eu também.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Ela é minha, muito minha


Sei que ela precisava de partir e não podia ficar, mas era mesmo necessário este desalento tão grande que agora me rodeia? Onde antes eu tinha o seu sorriso, o seu constante carinho, o conforto das suas palavras, jaz um espaço vazio que não pode ser preenchido, porque é só dela.

Ela é o ser mais bondoso, abnegado e tolerante com quem tive o privilégio de cruzar-me nos meandros intrincados deste caminho sinuoso a que, vulgarmente, chamamos viver. Devia ser proibido magoarem-na como o fizeram e punido com largos anos de solidão sem uma réstia de calor humano.

Lembrar-me-ei sempre dos nossos brunchs a olhar o mar, das conversas profundas e apaziguadoras que apenas tinha com ela, da perspectiva positiva que sempre me mostrou quando só vislumbrava a incerteza no dia de amanhã, na nova aventura que empreendi por terras de África.

Sei que a terei sempre ao alcance de um telefonema, de um e-mail, mas desde quando o apreço e amizade chegam por cabo?

Ela é minha, muito minha e embora tenha partido fisicamente e não possa tê-la perto, nunca vai deixar de o ser.


A ti, APC, que hoje deixaste-me com muitas saudades tuas... até já.