Estava um daqueles dias de calor infernal, às
08.15h em Luanda e, como é meu apanágio nos últimos tempos (sim, porque
comigo funciona ao contrário, o frio faz saltar da cama, o calor
agarra…), estava já no limite da hora própria para mais
um dia de trabalho.
Entro na viatura (vulgar carro em Angola),
portas fechadas, chave na ignição e… nada. Mais uma tentativa e… absolutamente nada. Saio da viatura, abro o "capom" (também só ouvi aqui esta
designação para a espécie de tampa que cobre o motor) como
se alguma vez entendesse alguma coisa daquele conjunto de recipientes
redondos interligados por uma série de tubos e fios, olhei atentamente
sem saber muito bem para quê.
Um dos “miúdos” já meu conhecido perguntou
prontamente: “Então madrinha, aconteceu quê?”, ao que eu respondi que
deve ter sido a bateria e que o carro, pura e simplesmente, morreu.
Com o seu ar espantando, exclama: “Tché
madrinha, mataste só o carro… num si faz!!”. Não resisti à gargalhada
fácil e calmante no turbilhão perturbador do tempo a passar, sem que o
problema fosse resolvido. A ajuda especializada, que disse que estava
mesmo a chegar, tardava...
Eis que B. aproxima-se e pergunta se pode tentar
resolver. Anui mas adverti que podia sujar-se e
estragar a roupa, uma vez que estava impecavelmente bem vestido. Não se
importou. Tentou de tudo, até colher
gotas de água de um ar condicionado em algo que um dia tinha sido uma garrafa.
Ainda assim, quis gratificar
B. pelo empenho em ajudar a resolver o problema da morte prematura da
viatura e, para meu espanto, recusou e disse-me “hoje por si, amanhã
por mim”. Ainda insisti, mas não aceitou. Nesse dia aprendi uma lição, quando
achava que conhecia bem o meio cultural onde me insiro e que sabia
perfeitamente corresponder à expectativa.
Ainda hoje quando vejo B., lembro-me que seres humanos genuinamente
bons há em qualquer parte do mundo, e ainda bem.
Os africanos acreditam no “Unbuntu Botho” (eu sou porque tu existes). Eu também.