segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

É mesmo da noite


Em Angola, há uma diferença abissal entre o dia e a noite. 

Quanto ao dia, inicia-se extremamente agitado, tráfego intenso, buzinões muito piores que os da Ponte 25 de Abril com ou sem portagens, ruas desertas porque outras estão apinhadas… um quadro de borrões que dá cor à cidade. 

Desenrola-se sob o calor intenso de África, o trânsito flui – caoticamente, mas flui; a vida é extremamente agitada. Um dia em Angola equivale a três europeus e o número de assuntos resolvidos, também...
“- Mas moça, eu tenho procuração da empresa.
- Dona se quer mesmo resolver a sua maka (problema) vai fazer a declaração na mesma, ainda que diga o mesmo, se não, processo não entra, ya?
- Moça é a 3ª vez que venho aqui para tratar do mesmo assunto e pedem-me sempre documentos diferentes??!!
- Ah, é porqui gostam de ti, né… tem assim esse cabelo… é postiço, dona?”

É nesta altura que começamos a contar até 10.000 e bufar, dando como desculpa o extremo calor que se faz sentir naquela repartição.

Mas a noite… ah, a noite é fabulosa! A cidade passa de cloaca de gente a relaxadamente fantasmagórica. Há imenso estacionamento e imensos assaltantes também, pode-se escolher o tipo mas são quase todos da espécie Assaltantis Non Violentus
Há algo que a noite em Angola tem e que só cá vive-se… o cheiro a terra laranja, o calor ameno, a humidade que nos beija todos os pedaços de pele descobertos, os cabelos colados ao nosso pescoço e a sensação maravilhosa de os retirar e deixar a brisa refrescar aquela extensão do corpo…

Se me perguntarem qual a parte do dia que mais gosto em Angola, é mesmo da noite…

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

A necessidade imperiosa


Em Angola é mesmo assim, sentimo-nos sozinhos rodeados por uma miríade de pessoas. Falamos com imensa gente que de algum modo acrescentam-nos algo, cada vez que cruzamos os caminhos. Torna-se desgastante, por vezes.

Frequentemente não apetece escutar… ouvimos mas não absorvemos, a nossa capacidade de interacção reduz-se ao mínimo e cada tentativa de ligação obriga a um esforço sobre humano. Como se a rede das nossas conexões se encontrasse totalmente sobrecarregada.

É a esta altura que começamos a sentir a necessidade imperiosa de isolamento, de ouvir todos os ruídos como se estivem longe, muito longe… Em Angola, nunca há um restaurante vazio o suficiente, um café sossegado, uma estrada totalmente desimpedida.

Apenas depois de algum tempo, percebemos que o rebuliço que não nos larga está dentro de nós, vem da terra que pisamos, do ar que respiramos. Somos emigrantes, nunca sentimos a casa vazia, porque não é nossa… é sempre dos outros.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Saudades

Saudades são uns bichinhos microscópicos que entranham-se na pele, passam para a corrente sanguínea, fazendo diminuir o fluxo de sangue ao coração, causando falta de ar por breves momentos. Estas crises normalmente são cíclicas e repetitivas até que sinto o teu cheiro, a tua pele, a tua barba no meu queixo.
A esta patologia junta-se a ansiedade quando desvias o olhar, esquivas-te a que te leia a alma e perde-se o que é importante… não consigo descortinar o que no teu íntimo se passa e que os teus olhos teimam em esconder.

Estás perto mas sinto mais saudades que nunca, um formigueiro na pele, por dentro, que arranho incansável sem nunca sentir um minuto de alívio. 

Não me abraces como ontem, mas como hoje, com tudo de diferente que um novo dia ao teu lado possa trazer. Não digas o mesmo que há dois dias atrás, tudo mudou entretanto, minutos e horas correram numa direcção que nem eu nem tu sabemos qual foi... e que decididamente não nos é comum.

Diz-me só quando deva ir e largar o abraço apertado e o beijo à pressa… não te esqueças que eu vou mas as saudades de ti, ficam. Mal consigo respirar…

A ti, CS.