terça-feira, 25 de outubro de 2011

Life Works In Mysterious Ways...

Recebeu a notícia com surpresa. Tinha sido um moroso processo de recrutamento e a ideia de trabalhar em Angola nunca a tinha seduzido particularmente. 
Tinha preferido trabalhar num país europeu de modo a aumentar os conhecimentos na sua área e evoluir na carreira, o seu estandarte de vida. Nada disso interessava agora, o bilhete de avião já fora comprado e era só avançar.

Foram difíceis os primeiros tempos… uma dura realidade a que não estava habituada e em que tudo pode acontecer, mesmo o inesperado. O desafio profissional, que pretendia ser o auge da sua carreira não correspondia a qualquer mínima expectativa que tinha tido.
Esse sentimento de desolação perante o que a rodeava foi consumindo-a, trazendo-lhe a nostalgia da felicidade – aparente – da terra onde tinha vivido toda uma vida e de que sentia muita falta. Todos os dias eram iguais e cada, igual ao anterior, significava mais um que passou, menos um que faltava para o desejado regresso.

Nem sabia muito bem o que andava a fazer por lá e porquê ali tinha vindo parar. Não conseguia descortinar qualquer sentido… logo ela que dizia que tudo na vida tinha sempre um propósito e o caminho lá iria dar. Desta vez não antevia tal propósito e o caminho traçado afigurou-se sinuoso.

Mas nunca se resignou perante um desafio, ainda que difícil. Integrou-se, aculturou-se, ganhou o espaço profissional almejado, sentiu-se viver novamente e… conheceu-o.

A vida mais que pulsava em si, não esperava, não estava nos planos, mas fluía continuamente e ele… desiludiu-a. Foi embora da Angola que tanto custou a entranhar, a gostar e a amar. Mais ainda lhe custou descortinar o propósito daquele pedaço de vida que a nada levou.

Os anos foram correndo com a normalidade que a vida impõe e num desses dias, normais, encontra-o na sua cidade. Maduro, seguro de si, diferente daquele que tinha conhecido em Angola. E ele passou a fazer parte indissociável da sua vida.

Sem se aperceber, finalmente encontrou o propósito de tudo e o porquê de todo o caminho percorrido… A vida põe, Angola dispõe… e a vida a seguir repõe.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

A intensa monotonia

Dizem que em Angola, é tudo muito mais intenso… e é!

Os dias mais pequenos, mas atarefados em que o mais inusitado acontece; o trânsito a qualquer hora, de ponta ou de esquina; o forçoso e frequente contacto pessoal pela diversidade e quantidade de gentes com quem nos cruzamos… mas acima de tudo, o que vivemos por cá.

Aqui vive-se, como diz um colega. Vive-se tudo, o mau que pode acontecer, o bom que acontece muitas vezes, o trabalho que passa a ser a nossa segunda casa, os problemas dos outros porque todos os semelhantes tentam aproximar-se (a comunidade tuga, a chinesa, a libanesa… há tantas!).

Esta intensidade pressupõe uma fidelidade atípica…

Deve pôr-se o carro quase sempre no mesmo sítio porque já conhecemos os seguranças; devemos sempre pagar a “gasosa” ao mesmo miúdo que nos lava o carro, porque fá-lo sentir-se da nossa preferência e orgulhoso (“Tchéé, sái daí que á madrinha branca é minha, kumé?”, diz ele a quem tenta oferecer serviços alternativos); devemos sempre comprar os CD’s ao miúdo que sabe que aquela hora, naquela fila de trânsito, lá estamos (“Madrinha, novidade de música mangolé, compra só! Caro porque é originar ou cópia munto boa. Compra só ao Manucho que tem qualidade!”);a praia é sempre a mesma porque é onde encontramos a comunidade; os restaurantes quase sempre os mesmos, mas porque as alternativas ainda são poucas; as saídas para ver os amigos ao fim de semana, sempre ou naquele sítio grande com “bué” espaço ou no mais pequeno com melhor selecção e ambiente, mas com cotoveladas elevadas ao quadrado vezes o número de pessoas que alberga.

Dizia um amigo angolano que em Angola é tudo muito fiel, "vê só, temos o mesmo presidente há mais de 30 anos e os casamentos duram muito". Fitei-o espantada e questionei como podia ele dizer uma coisa dessas quando normalmente um angolano tem, no mínimo, 3 mulheres… Foi a vez dele de me lançar um olhar inquisidor e responder: “angolano, só ama e casa com uma que é a oficial a qual trata bem, cuida, alimenta, veste e calça. As “outras” são para passar o tempo e aturar o mau humor, porque quando o angolano chega à casa de família é sempre um homem contente! Por isso os casamentos duram”. Não tive coragem de refutar tal lógica.

A intensidade aqui é assim mesmo, quase sempre com as mesmas pessoas, nos mesmos sítios, durante muitos dias… é uma confortável e intensa monotonia.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

A troca

- Por favor, podes devolver o que é meu?

- Não estou a perceber... já não tenho nada teu!

- Sabes perfeitamente que sim e deixa-te dessas coisas, devolve-me porque já não te faz falta.

- Mas quem és tu para me dizer se faz falta ou não? Eu ainda sei o que são as minhas coisas e as tuas...

As malas jaziam à porta e rapidamente perceberem o quão era estúpido discutirem naquele momento... ele reflectiu e pensou que teria que haver uma saída.

- Está bem - disse ele, tremulamente - vou deixar-te levá-la então, já que insistes. Só não entendo que uso é que possa ter para ti neste momento. Quebraste a tua promessa, não devias ter direito a nada... e sinceramente, se ma levares quase nada me resta...

No íntimo, ela sabia que ele tinha razão, mas tinha sido sua durante tanto tempo e não pretendia abdicar dela... assim... tão gratuitamente. Que raio se passava consigo... afinal não a quis enquanto podia mas cismava que a havia de levar consigo, ponto final!

- Olha, deixo-te as chaves de casa, ficas cá o tempo que quiseres que eu arranjarei outra - propôs ela, com a perfeita noção de clara vantagem.

Ele anuiu e viu-a a pegar nas malas e fechar a porta.

Mero espectador, apercebeu-se que toda aquela conversa tinha sido apenas na sua cabeça, pois a boca não conseguia proferir uma palavra há muitas horas. Ela deixou-lhe as chaves de casa no pratinho do móvel da entrada como fez durante muitos anos e levou-lhe a alma.

A troca, pensava ele, não podia ter sido mais injusta...

Finalmente!

A pedido de alguns (bons) amigos, foi criado este blog e só porque eles acham que até conto umas histórias de jeito (vá lá saber-se porquê) que deveriam ser reduzidas a escrito (que atrevimento…).

Agora é a altura para o fazer e o porquê rebuscado e complexo da psicologia não existe a não ser a liberdade que possuo de expressar-me como, onde e através do meio que pretender.

Este é o meu lado mais sério e intimista q.b., a que pouca gente está habituada. Não esperem exposição mas tão só expressão de algo que aconteceu comigo ou com ele, do que vi e gostei, ou não, do que presenciei e nem queria, do que soube e nem precisava… O que sinto será sempre meu e nunca poderá ser vosso, os futuros leitores que me perdoem…

Como qualquer pessoa pode ter um blog, não façam muito caso destas histórias. Leiam, riam, detestem, comentem e depois deitem fora; não as mantenham na vossa mente a ocupar espaço, deixem essa função para as palavras que ficam escritas e consultem quando quiserem. Nunca comentarei um comentário (porque não é meu, é vosso); nunca apagarei uma crítica (que nunca é construtiva, desenganem-se, mas necessária), apenas sinto-me no direito de não aceitar o ofensivo, insultuoso e descabido.

Contar-vos-ei histórias variadas, curtas, apenas notas, soltas; a periodicidade fica a cargo da disponibilidade e inspiração, livres; só terão o objectivo de relatar e quiçá fazer com que os leitores anseiem pela próxima, leves. Tão só… nem sei quanto tempo durará este blog, sei muito pouco, como já perceberam.

Apenas posso almejar que gostem e que sigam.

AF

P.S. – Este texto não foi escrito ao abrigo do Acordo Ortográfico porque não sei o que isso é e ninguém me perguntou, logo, pela lógica, não há acordo…