sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Por cá

Angola é assim...não deixa que os laços se consolidem. Parte-os, de propósito, para os unir novamente, logo a seguir.

Por cá, quase ninguém tem amigos; tem conhecidos, colegas, porque afinal se amanhã tivermos que ir embora, para quê investir... mas na verdade, serão estes e não quaisquer outros, que povoarão as nossas memórias, das noites à beira-mar, das viagens a Cabo Ledo, das lagostadas, dos belos dias de praia.

Por cá, quase ninguém tem família mas sim mamãs emprestadas, tias em quantidades consideráveis, bem como amadrinham-se sobrinhos por dá cá aquela palha... e serão mesmo a nossa família enquanto cá estivermos.

Por cá, quase ninguém tem namorado, tem aventuras... noites quentes e longas de amor com o alguém que ainda agora se conheceu. Porém, é este sentimento inebriante que será para sempre relembrado como o mais intenso e eterno enquanto durou. 

Angola insiste, como a força das chuvas, em derrubar muros para, logo depois que brilha o sol, voltar a pôr pedra sobre pedra, mas não necessariamente na mesma ordem. E vive-se, reconstruindo todos os dias mais um pedaço de nós, enquanto o sol brilha. Até às próximas chuvas.

Como cá, e bem, diz-se "fazer mais como, então?"...




domingo, 14 de outubro de 2012

E ainda bem!



Dizem que a felicidade é assim, vem e não se sente… vai-se sentindo… bocados retalhados de uma manta de vida que intercalamos com momentos menos bons, mas que lhe dão toda a cor.

Não te senti a chegar, de mansinho…mas,

foi só abrir a janela e deixar que a tua brisa morna aquecesse os resquícios gelados pelo Inverno; 

foi só ouvir-te falar para perceber que, entranhaste sem nunca estranhar, a sensação de que te conheço desde há muito;

foi só deixar-me envolver pelos teus braços para perceber que tinhas chegado e que estavas para ficar;

foi só sentir o teu cheiro para saber que és tudo o que preciso e de que não quero abdicar só porque o nosso momento não era aquele… mas que sabemos nós…

Basta olhar para ti para perceber que pensava que controlava quase tudo mas que não controlo quase nada… e ainda bem!

A ti, PV, que existes... e ainda bem.

terça-feira, 24 de julho de 2012

“Unbuntu Botho”

Estava um daqueles dias de calor infernal, às 08.15h em Luanda e, como é meu apanágio nos últimos tempos (sim, porque comigo funciona ao contrário, o frio faz saltar da cama, o calor agarra…), estava já no limite da hora própria para mais um dia de trabalho.

Entro na viatura (vulgar carro em Angola), portas fechadas, chave na ignição e… nada. Mais uma tentativa e… absolutamente nada. Saio da viatura, abro o "capom" (também só ouvi aqui esta designação para a espécie de tampa que cobre o motor) como se alguma vez entendesse alguma coisa daquele conjunto de recipientes redondos interligados por uma série de tubos e fios, olhei atentamente sem saber muito bem para quê.

Um dos “miúdos” já meu conhecido perguntou prontamente: “Então madrinha, aconteceu quê?”, ao que eu respondi que deve ter sido a bateria e que o carro, pura e simplesmente, morreu.
Com o seu ar espantando, exclama: “Tché madrinha, mataste só o carro… num si faz!!”. Não resisti à gargalhada fácil e calmante no turbilhão perturbador do tempo a passar, sem que o problema fosse resolvido. A ajuda especializada, que disse que estava mesmo a chegar, tardava...

Eis que B. aproxima-se e pergunta se pode tentar resolver. Anui mas adverti que podia sujar-se e estragar a roupa, uma vez que estava impecavelmente bem vestido. Não se importou. Tentou de tudo, até colher gotas de água de um ar condicionado em algo que um dia tinha sido uma garrafa.

Ainda assim, quis gratificar B. pelo empenho em ajudar a resolver o problema da morte prematura da viatura e, para meu espanto, recusou e disse-me “hoje por si, amanhã por mim”. Ainda insisti, mas não aceitou. Nesse dia aprendi uma lição, quando achava que conhecia bem o meio cultural onde me insiro e que sabia perfeitamente corresponder à expectativa. 

Ainda hoje quando vejo B., lembro-me que seres humanos genuinamente bons há em qualquer parte do mundo, e ainda bem.

Os africanos acreditam no “Unbuntu Botho” (eu sou porque tu existes). Eu também.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Ela é minha, muito minha


Sei que ela precisava de partir e não podia ficar, mas era mesmo necessário este desalento tão grande que agora me rodeia? Onde antes eu tinha o seu sorriso, o seu constante carinho, o conforto das suas palavras, jaz um espaço vazio que não pode ser preenchido, porque é só dela.

Ela é o ser mais bondoso, abnegado e tolerante com quem tive o privilégio de cruzar-me nos meandros intrincados deste caminho sinuoso a que, vulgarmente, chamamos viver. Devia ser proibido magoarem-na como o fizeram e punido com largos anos de solidão sem uma réstia de calor humano.

Lembrar-me-ei sempre dos nossos brunchs a olhar o mar, das conversas profundas e apaziguadoras que apenas tinha com ela, da perspectiva positiva que sempre me mostrou quando só vislumbrava a incerteza no dia de amanhã, na nova aventura que empreendi por terras de África.

Sei que a terei sempre ao alcance de um telefonema, de um e-mail, mas desde quando o apreço e amizade chegam por cabo?

Ela é minha, muito minha e embora tenha partido fisicamente e não possa tê-la perto, nunca vai deixar de o ser.


A ti, APC, que hoje deixaste-me com muitas saudades tuas... até já.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Angola é assim, simples...


Angola é assim, simples… prende, atraca, aterra e entranha-se.

Não há como fugir às cores da terra, ao calor da noite, á humidade sensual do seu meio inverno, o sotaque cantado e o "só" sempre a meio, primo do “ya” e “tá fixe”, a terminar as frases. Angola prende e repõe o elo que se julgava estar a perder.

Se por um momento, tenta-se mudar de vida porque cansa, de ar porque queima, de mundo porque se sente saudades, Angola não deixa. Com a sua brisa primaveril envolve-nos numa aura de misticismo e sem razão, só porque sim, voltamos a ficar.

Se por um outro momento sente-se receio porque é perigoso, se a liberdade é-nos toldada por protecção, se a vida que queríamos viver não é vivida, e queremos partir, Angola não deixa. Pede só mais um bocadinho, só mais uns meses porque o verão é grande e as praias de mar esmeralda e areias brancas, chamam-nos.

Queria mudar de mundo mas Angola não deixou; queria partir mas Angola fez-me ficar… obrigada Angola! Estamos juntos para mais um ano…

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Porque hoje é dia...


Posso?
Não me negues o que há muito desejo, sente o ensejo em cada toque
Na pele… profusa sensação
Erupção, na ponta de cada dedo

Deixas-me?
Prometo que te envolvo, abraço apertado,
O cheiro do teu pescoço
Alvoroço da minha alma

Devolves-me?
O beijo que te dei, o que senti,
Universo que percorri, em segundos
A vida flui pela minha boca acorrentada à tua

Repetes?
Deixa-me sentir outra vez
O que é eterno na memória
Glória de amar
Sem mais porquês

Beijas-me?

terça-feira, 13 de março de 2012

O Turbilhão

É estranho como, muitas vezes, as pessoas entram e saem da nossa vida... Quais vampiros sentimentais impiedosos, os que realmente passam a ser ou deixam de ser importantes, levam muito mais do que aquilo que deixam.

Não perguntam, entram sem avisar, iniciam um turbilhão de emoções, que se prolongam eternamente enquanto duram. Fazem-nos questionar os paradigmas instituídos dos nossos cinco sentidos. 

A visão, torna-se idílica; o cheiro, um constante perfume frutado com almíscar e sândalo; o sabor, doce travo permanente e inexplicável; o toque, a leveza das mãos que deslizam guiadas por toda a superfície a percorrer.

O que antes era um dia de sol com uma intensidade decrescente à medida que o dia se ia, agora arde num constante mar de lava interior e profundo numa cratera de um vulcão adormecido à superfície. 

Não perguntam, saem sem avisar, deixando a aridez  e a desilusão; a tarefa da recolha dos estilhaços, os cacos a serem varridos, o vulcão adormece no seu interior, o mar de lava recolhe-se. A visão tolda-se e faz-se sombria; o cheiro, a queimado; o sabor, acre; o toque, insensível. O terreno estéril para sensações...

Até que surgem as próximas chuvas que amenizam a aridez, encharcam as extensões desérticas e a terra fica novamente mole... e eis, qual brisa quente que se sente a levantar, que surge lá longe a espiral de um novo tornado.

De cada vez, as sensações são as mesmas, o curso da natureza é linear; o que muda somos mesmo nós. Aprendemos que só entra quem deixamos e só sai quem nunca esteve destinado a ficar.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

A gasosa

A “gasosa” é um fenómeno à escala mundial mas com este nome, só em Angola. É, claramente, uma maneira informal de distribuição de riqueza mais ou menos voluntária em nome… da paz social.

A gasosa faz milagres: aparecem lugares de estacionamento onde na primeira volta não existiam, documentos em pastas anteriormente vazias, lugares primeiros nas filas quando à nossa chegada esta dá a volta à repartição pelo menos duas vezes, uma mesa num restaurante lotado com o melhor serviço possível…

Poder-se-ia estar a falar neste momento de qualquer refrigerante mundialmente conhecido, com uma campanha avassaladora de prémios, mas não; falamos de um verdadeiro motor urbano de desenvolvimento e progresso.

“ Maneco, como pode dizer tu que a gasosa é desinvorvimento? Gasosa é currupção!”

“ Mano deixa de pensar piqueno, tché… um pula (branco) vem à cidade resolver as suas makas (problemas), num tem como estacionar aqui na baixa, fazer mais como então? Chama pelo Maneco e em cinco minuto tem lugar!” (é só tirar uma pedra gigante que anteriormente bloqueava o mesmo) “Pula vai, faiz o que tem a fazer e Angola disinvolve, se não voltava mesmo pra trás. Chefe dele fica contente, ele tem o emprego dele e eu tenho o meu!”

Concordo com o Maneco. A gasosa faz milagres, acelera o ritmo da resolução de problemas, faz com que se possa contribuir sem ofender (afinal remover uma pedra tão pesada e voltar a pôr, custa; ser responsabilizado pela mesa que estava reservada desde manhã e que se "esqueceu", pode custar o próprio emprego) e, naquele dia, tornar a realidade de alguém bem menos penosa e melhor alimentada.

Se alguém pensa que quem pede gasosa não precisa efectivamente e só o faz por gosto – de quê? – ou prática desportiva, tem um grave problema de empatia social que já nem um milagre adiantará (segue-se o longo e acalorado discurso de que a culpa dos males e pobreza de Angola é toda da gasosa… a ignóbil).

Todos temos sede de vida. Para uns, só mesmo Moët & Chandon, para outros, um “refrigerante” ao final do dia já é o suficiente…

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

É mesmo da noite


Em Angola, há uma diferença abissal entre o dia e a noite. 

Quanto ao dia, inicia-se extremamente agitado, tráfego intenso, buzinões muito piores que os da Ponte 25 de Abril com ou sem portagens, ruas desertas porque outras estão apinhadas… um quadro de borrões que dá cor à cidade. 

Desenrola-se sob o calor intenso de África, o trânsito flui – caoticamente, mas flui; a vida é extremamente agitada. Um dia em Angola equivale a três europeus e o número de assuntos resolvidos, também...
“- Mas moça, eu tenho procuração da empresa.
- Dona se quer mesmo resolver a sua maka (problema) vai fazer a declaração na mesma, ainda que diga o mesmo, se não, processo não entra, ya?
- Moça é a 3ª vez que venho aqui para tratar do mesmo assunto e pedem-me sempre documentos diferentes??!!
- Ah, é porqui gostam de ti, né… tem assim esse cabelo… é postiço, dona?”

É nesta altura que começamos a contar até 10.000 e bufar, dando como desculpa o extremo calor que se faz sentir naquela repartição.

Mas a noite… ah, a noite é fabulosa! A cidade passa de cloaca de gente a relaxadamente fantasmagórica. Há imenso estacionamento e imensos assaltantes também, pode-se escolher o tipo mas são quase todos da espécie Assaltantis Non Violentus
Há algo que a noite em Angola tem e que só cá vive-se… o cheiro a terra laranja, o calor ameno, a humidade que nos beija todos os pedaços de pele descobertos, os cabelos colados ao nosso pescoço e a sensação maravilhosa de os retirar e deixar a brisa refrescar aquela extensão do corpo…

Se me perguntarem qual a parte do dia que mais gosto em Angola, é mesmo da noite…